Diabetes mellitus, hipertensão, doença renal crônica, obesidade, transtornos mentais. Estes são alguns dos problemas de saúde mais frequentes entre a população negra (pardos e pretos em conjunto), em comparação à população branca. Esse adoecimento não ocorre de forma isolada, negros também convivem mais frequentemente com a multimorbidade, situação em que várias doenças crônicas ocorrem simultaneamente. As mais adoecidas são as mulheres negras, enquanto seus pares, homens negros, são os que morrem mais.
Essas são algumas das evidências produzidas ao longo de 15 anos do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) e que podem ser conferidas na edição especial do Boletim ELSA-Brasil para o dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra.
O ELSA-Brasil é um grande estudo de corte que acompanha desde 2008 a saúde de mais de 15 mil adultos e idosos em seis capitais brasileiras para gerar conhecimento científico sobre doenças crônicas no país. O ELSA é conduzido por pesquisadores(as) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), da Universidade de São Paulo (USP) e das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG), do Espírito Santo (UFES), da Bahia (UFBA) e do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Reconhecendo o racismo como uma das causas fundamentais das desigualdades em saúde, as pesquisas do ELSA-Brasil têm atuado em demonstrar como alguns grupos populacionais estão enfrentando maiores desafios para envelhecer com mais saúde. Os resultados revelam que quando iniciaram o acompanhamento no ELSA, entre os anos de 2008 e 2010, para cada pessoa branca convivendo com seis ou mais condições crônicas, havia aproximadamente 13 pessoas pardas e 15 pessoas pretas na mesma situação. Pretos eram os mais adoecidos para hipertensão (48%), diabetes (27%), doença renal crônica (11%) e quase um terço desse grupo eram pessoas com obesidade. Pardos estavam logo na sequência, com 23% do grupo com hipertensão, 20% com diabetes, 9% com doença renal e 23% com obesidade, mas descobriu-se que as mulheres pretas eram as que estavam mais adoecidas por múltiplas condições no início do estudo.
Cerca de 10% das mulheres pretas conviviam com seis ou mais doenças crônicas no início do estudo. 40% delas conviviam com transtornos mentais comuns, como ansiedade e depressão, e 35% com obesidade. Já diabetes e hipertensão, eram mais frequentes nos homens pretos, condições que estavam em 30% e 50% desse grupo, respectivamente. Outra expressiva desigualdade em saúde foi observada na mortalidade: para cada 10 óbitos em mulheres brancas, morreram 14 mulheres pardas, 17 mulheres pretas, 17 homens brancos, 30 homens pardos e 37 homens pretos.
O que há por trás das desigualdades raciais em saúde?
No Brasil, as adversidades estão presentes de forma desigual entre os grupos raciais desde o início da vida. O ELSA-Brasil identificou que 73% das mães dos participantes pretos e 65% das mães de pardos não frequentaram a escola ou possuíam ensino fundamental incompleto. Já entre os participantes da pesquisa, brancos eram os mais escolarizados: 68% das mulheres brancas e 66% dos homens brancos possuíam ensino superior completo, o mesmo indicador foi de 30% para mulheres pretas e 23% para homens pretos, os últimos na categoria.
Pardos e pretos também viviam mais frequentemente que brancos em áreas mais segregadas economicamente (com mais domicílios com renda de até 3 salários mínimos) e viver nessas áreas está relacionado a maior chance de hipertensão e diabetes. É importante destacar que existem diferenças raciais em outras experiências de vida estressantes, como situações de discriminação. No ELSA-Brasil, 6% dos pardos e 32% dos pretos relataram experiências de discriminação racial ao longo da vida, seja por tratamento injusto no trabalho, em assuntos de moradia (como alugar um imóvel), pela polícia, em locais públicos ou na escola/faculdade. Vivenciar essas experiências foi relacionado à pior função renal, maior rigidez arterial e aterosclerose (marcadores de risco para doenças cardiovasculares) e ganho de peso mais acelerado.
Todas essas adversidades ao longo da vida podem promover instabilidade fisiológica, demandando uma resposta complexa de sistemas adaptativos do corpo e, potencialmente, levando ao adoecimento por múltiplas doenças.
Compreender melhor as desigualdades raciais na saúde e seus impactos é fundamental para a busca de soluções de forma intersetorial, pois não é apenas um problema de saúde pública, para garantir um futuro mais saudável para todos. A Saúde Coletiva já adverte há algum tempo e as pesquisas do ELSA-Brasil corroboram: não basta enfrentar apenas aspectos no nível individual (como comportamentos de risco à saúde), é preciso enfrentar causas sociais fundamentais das desigualdades, promovendo mudanças significativas na direção de uma sociedade mais justa e equitativa.
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