Oficio 021/204 – Mortalidade materna e violência obstétrica na Bahia, especialmente na Maternidade Estadual Albert Sabin.

Abaixo segue a cópia do ofício que o MNU Bahia enviou cobrando posicionamento e soluções sobre a Mortalidade materna e violência obstétrica na Bahia, especialmente na Maternidade Estadual Albert Sabin.

Destinatários:

– Secretaria de Saúde do Estado da Bahia;
– Conselho Estadual de Saúde;
– Comitê Técnico Estadual de Saúde da População Negra;
– Comitê Estadual de Mortalidade Materna;
– Conselho Nacional de Saúde;
– Conselho Estadual de Desenvolvimento da Comunidade Negra.

Assunto: Mortalidade materna e violência obstétrica na Bahia, especialmente na Maternidade Estadual Albert Sabin.

Com os cordiais cumprimentos, como é de conhecimento, o Movimento Negro Unificado – MNU, com 46 anos de existência e contribuição na luta contra o racismo e na defesa de políticas de promoção da igualdade racial, atua, dentre suas diferentes frentes, com a conscientização e formação política da população negra, além de popularização do Movimento e afirmação do papel histórico, cultural e político de negros/as na organização da sociedade brasileira.

É sabido que a Bahia, que conta com 80% da população composta por negros/negras autodeclarados, produziu avanços normativos importantes na direção  da promoção  da igualdade racial,  a exemplo do Estatuto de Igualdade Racial   e de Combate à Intolerância Religiosa da Bahia – Lei Estadual n° 13.182/2014 e da Política Estadual de Atenção Integral à Saúde da População Negra – PEAISPN/Decreto Estadual n ° 14.720/2013, porém, tendo em vista o racismo, considerado determinante social de saúde pela Organização Mundial de Saúde – OMS, ainda figuramos com importantes índices negativos quanto ao acesso desta população a serviços de saúde, diagnóstico, tratamento e desfechos terapêuticos.

A população negra é a mais atingida pela mortalidade materna, homicídios de jovens negros, suicídio, doenças cardiovasculares, conforme dados oficiais do próprio Sistema Único de Saúde e dados de Institutos de Pesquisa, inclusive por vezes se trata de mortes evitáveis. E, são os/as negros/as que mais adoecem de doenças ou agravos relacionados às precárias condições de vida, a exemplo de tuberculose, leishmaniose, desnutrição, canceres, transtorno mental, alcoolismo, doenças do trabalho, dentre outros (Zago, 1996).

Neste cenário supracitado, destacamos a mortalidade materna de mulheres negras, que se configura como resultado por vezes de violência obstétrica, é reconhecida como problema de saúde pública, e se trata de mortes evitáveis na maioria dos casos. O racismo obstétrico, de acordo com a estudiosa estadunidense Dána-Ain Davis, se estabelece na interseção entre violência obstétrica e raça/gênero, e envolve 7 (sete) dimensões do racismo obstétrico: Lapsos diagnósticos; Negligência; Causar dor intencionalmente; Coerção; Humilhações Públicas; Abuso médico; Desdém ou desrespeito.  Já a mortalidade materna de mulheres negras, indicador importante da qualidade de vida da população negra, se refere a morte de mulheres negras, “durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais” (Organização Mundial de Saúde).

No Brasil, cerca de 60% das mulheres que morrem por causas obstétricas são negras (Santana, 2024). Na Bahia, de acordo com os dados de 2018 da SESAB/DIVEP, 85% dos casos atingiram mulheres negras. A Pesquisa Nascer Brasil revelou que a violência obstétrica atinge as mulheres negras de uma forma mais intensa, a saber: mulheres negras possuem 62% maior razão de chance de terem pré-natal inadequado; 67% vivenciaram ausência de acompanhante; 33% viveram peregrinação anteparto; e 23% sofreram falta de vinculação à maternidade (Santana, 2024). Tais dados revelam que ser mulher negra grávida é um fator de risco no Brasil.

Nos últimos 30 dias foram noticiados por veículos de comunicação locais, dois casos de mortalidade materna na Maternidade Albert Sabin: o caso de uma jovem grávida de 22 anos e seu bebê que morreram durante o trabalho de parto no dia 29/11/2024; e o caso de bebê que morreu durante o parto por lesão no pescoço no dia 31.10.2024. Importante salientar que tal maternidade é alvo de denúncias históricas relacionadas à violência obstétrica/racismo obstétrico.

Assim sendo, o MNU-BA, solicita apuração rigorosa, com responsabilização dos envolvidos, intervenções de reparação e alteração das dinâmicas institucionais das Maternidade, bem como criação de programa específico para redução da mortalidade materna de mulheres negras na Bahia com recursos financeiros e processos de monitoramento específicos, de modo a repercutir efetivação na redução da mortalidade materna de mulheres negras no Estado.

Na oportunidade, vale dizer/lembrar que:

– redução de mortalidade materna no Brasil foi eleita como uma das metas do Projeto Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2000;

– 2005 e 2007 tivemos Conferências Nacionais de Igualdade Racial pautando a mortalidade materna e/ou direitos reprodutivos de mulheres negras;

– em 2011 o Brasil foi condenado por corte internacional em relação ao caso Alyne Pimentel (caso de morte materna de jovem negra, ocorrida em 2002 no Rio de Janeiro, em função de complicações obstétricas, com evidências de negligência institucional), e recentemente o Ministério da Saúde lançou a Rede Alyne Pimentel, novo programa de cuidado integral à gestante ao bebê, cujo objetivo é reduzir a mortalidade materna no país em 25%;

– na Agenda 2023, dentre os objetivos do desenvolvimento sustentável, o Brasil criou o 18° ODS: igualdade racial;

– a violência contra mulheres no campo da saúde sexual e reprodutiva é um dos temas prioritários da Organização das Nações Unidas – ONU, e seu enfrentamento está contemplado na Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher da qual o Brasil é signatário.

Por fim, agradecemos antecipadamente, renovamos votos de estima e ficamos a disposição para esclarecimentos por meio da nossa Coordenação de Comunicação, representada por Edval Serpa (71 98279-6332 – Whatsapp) ou através do e-mail: contatomnubahia@gmail.com

Atenciosamente,

Sobre

Movimento Negro Unificado (MNU) é uma organização pioneira na luta do Povo Negro no Brasil. Fundada no dia 18 de junho de 1978, e lançada publicamente no dia 7 de julho, deste mesmo ano, em evento nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em pleno regime militar. O ato representou um marco referencial histórico na luta contra a discriminação racial no país.