Em 1997, Luiz Alberto Santos, 68, mal assumiu seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados quando decidiu. Formaria uma equipe majoritariamente de pessoas negras. O parlamentar baiano eleito pelo PT (Partido dos Trabalhadores) sabia que a representatividade não era um dos fortes do Congresso Nacional, mas não pensou que fosse incomodar. Colegas de mandato até chegaram a questionar sua atitude.
Respondia que fossem aos outros gabinetes perguntar por que não havia pessoas negras lá, já que somos a maioria da população. Era uma forma de chamar a atenção para algo que segue até hoje, já que a maioria dos deputados e seus assessores são brancos
A atuação parlamentar durou mais quatro mandatos até ser encerada em 2015. Apesar de ter sua trajetória ligada a movimentos trabalhistas, ele tentou fazer da experiência política um retrato de sua militância no movimento negro, ou seja, processos políticos mais coletivos e menos personalistas. “Mesmo com tantos mandatos, minha intenção sempre foi levar para o Congresso as demandas que ouvi nas ruas desde a década de 1970”, diz.
Uma delas foi transformar o 20 de novembro em feriado nacional, visto que àquela altura muitas cidades brasileiras já celebravam a data como Dia Nacional da Consciência Negra. O projeto foi arquivado quando a Casa aprovou em 2009 outra iniciativa que apenas inseria o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no calendário nacional, mas não na condição de feriado.
Apesar da conexão com o PT, que ajudou a criar, Luiz nutre sérias críticas a uma parcela da esquerda, que, diz ele, não só ignora a pauta racial como reproduz diversos preconceitos. “Vive em outro mundo.”
O movimento negro nas asas do Ilê
Até 1974, Luiz Alberto tinha apenas uma percepção difusa das forças perversas do racismo. Ele tinha acabado de sair da Aeronáutica e ingressado na Petrobras. O período de efervescência política em torno da questão racial o fez abraçar a militância no movimento negro.
Surgiam grupos de discussão política, como o Núcleo de Cultura Afro-Brasileira, que debatia textos de pensadores como o psicanalista Frantz Fanon (1925-1961) e do agrônomo e político Amílcar Cabral (1924-1973), acerca do racismo contra negros e indígenas. Além disso, havia um interesse pelas iniciativas norte-americanas de orgulho negro e sua estética.
Na Bahia, um grupo de jovens negros intitulado Poder Negro se reunia na escadaria em frente ao Colégio Estadual Duque de Caxias no bairro da Liberdade, parte alta de Salvador (BA). Logo, viraria o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do país. “O Ilê surge com o papel fundamental de resgatar uma ancestralidade perdida”, diz.
Era um contexto de disputa [racial]. Ao mesmo tempo em que havia um poder dos black powers, daquela exaltação da beleza negra, havia também uma violência muito grande, sobretudo com as mulheres. Era raro andar pelos bairros de Salvador e não encontrar uma placa dizendo que naquele local se alisava cabelo
Esse amálgama de contradições foi decisivo para a criação da célula do MNU (Movimento Negro Unificado) na capital baiana, um ano após a organização ser criada em 1978 durante um ato histórico na escadaria do Teatro Municipal, no centro de São Paulo.
O ex-deputado enxerga no movimento do qual foi coordenador nacional entre 1996 e 1998 um marco na luta contra o racismo no país.
O MNU fez uma guerra contra a tão propagada democracia racial e seus defensores. Foi o movimento mais importante da luta negra no século 20, também porque surgiu em meio a uma ditadura militar
Ele ressalta, no entanto, que o grupo curiosamente sofreu com a falta de unidade, algo mantido ainda hoje.
“Se na década de 1970 a ideia era fazer algo unificado do ponto de vista da ação política no país, hoje é o oposto. Há uma pulverização da luta contra o racismo. A ação política deve ocorrer em vários espaços, mas é preciso haver um norte e uma estratégia. Sem isso, não se sabe para onde ir”, explica.
Uma ditadura no meio do caminho
Nascido em Maragogipe, no Recôncavo Baiano, Luiz Alberto fez a vida em Salvador. Foi à capital baiana em meados dos anos 1960 para terminar os estudos. No início da década seguinte, com ginásio concluído, desempregado, o jovem de 17 anos viu no serviço militar uma forma de afastar a pobreza que abatia a família. Em plena ditadura, a saída foi entrar para a Aeronáutica.
“Eu vivia uma vida ordinária. Não tinha nada a ver com apreço ao regime. Era uma forma de sobrevivência. Muitos negros fizeram essa opção, porque não tinham como se sustentar”, conta. A passagem pela Força durou dois anos até 1973. “Eu era jovem e tinha uma perspectiva distanciada da ditadura. Com o tempo, vi que não poderia mais ficar ali”, lembra.
O vínculo com a Aeronáutica foi interrompido quando uma outra oportunidade de emprego apareceu.
Quando soube da aprovação no concurso para ser vigilante da Petrobras, no início de 1974, Luiz Alberto comemorou, apesar do regime manter as estatais sob observação constante. “Eram braços da ditadura”, diz.
A Bahia era estratégica. Até mesmo pelo histórico. O estado foi fundamental na consolidação dos petroleiros como categoria organizada no Brasil, pois abrigou ainda na década de 1950 o surgimento do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Petróleo, o primeiro do país.
Ainda que correndo o risco de estar na mira dos militares, Luiz Alberto entrou para a luta sindical. Conseguiu dar combatividade à organização, junto a colegas capitaneados pelo ex-sindicalista petroleiro Mário Lima (1935-2009), que teve seu mandato como deputado federal pelo PSB cassado em 1964, após o primeiro ato institucional da ditadura militar, foi preso e perseguido político e só conseguiu deixar a clandestinidade ao ser absolvido em 1971 pela Superior Tribunal Militar.
Em meados da década de 1970, os petroleiros baianos intensificaram o diálogo com trabalhadores de outras partes do país, sobretudo com os do movimento sindical no ABC Paulista, polo industrial na região metropolitana de São Paulo. A militância sindical de Luiz durou até 1994, quando se aposentou. Nesse meio tempo, ajudou a fundar a CUT (Central Única dos Trabalhadores).
“Em 20 anos, nunca fui promovido. Mudei de cargo uma vez, quando saí de vigilante para ser técnico químico. Só consegui porque teve um concurso interno. Estudei química, fiz a prova e passei. Trabalhava com análise de materiais rochosos. Tenho certeza que minha militância me impediu de subir de cargo, mas não me arrependo”, conta.