“Com tiranos não combinam. Brasileiros, brasileiros corações”.
Saudações à militância do MNU, presente ao Congresso Estatutário de 2024!
Não estaremos presentes, com o conjunto da legítima delegação eleita na respectiva Assembleia estadual, no Congresso Estatutário do MNU. Não o faremos por outro motivo que não seja o IMPEDIMENTO por parte de uma parcela dessa organização que teima em colocar o MNU embaixo do braço, como proprietárias/os de uma entidade que foi – e ainda é – construída a muitas mãos e punhos cerrados por todo o Brasil.
A lógica autoritária, centralizadora e excludente implementada sobre nós no último período, é reflexo da incapacidade política dessa parcela de dirigir uma entidade com o histórico, o legado e a importância do Movimento Negro Unificado. Apesar das divergências, nossa disposição em participar do Congresso foi expressa em diversos documentos, na busca de diversos canais de diálogo junto à CON e no envio de toda a documentação necessária à homologação da delegação. Delegação essa, eleita em Assembleia amplamente divulgada, ainda que no ato de sua execução, tenha sido censurada por membros da Coordenação Nacional.
Ainda assim, em uma decisão unilateral e antidemocrática, feita às vésperas de nossa assembleia, fomos diretamente impedidas/os de fazer parte desse espaço e de compartilhar, com o conjunto das delegações presentes em Brasília entre os dias 24 a 26 de maio, nossas posições relacionadas à pauta desta instância extraordinária. Fomos comunicadas/os que a nossa participação não seria aceita nem como observadoras/es, em um espaço cuja democracia e organização deveriam ser princípios colocados em prática.
QUEM SOMOS
Somos aquelas e aqueles que, em outubro de 2022, se arvoraram em reorganizar o MNU da Bahia, frente há mais de 10 anos de apatia. Somos mulheres e homens negres, cis e trans, de diversas gerações, de distintos coletivos internos e históricos militantes, mas com algo que nos unifica – a defesa do MNU e a necessidade de reavivar na Bahia a urgência do Movimento Negro Unificado, em meio a uma realidade de extermínio das nossas juventudes, de ampliação das desigualdades e da crescente violência racial e de gênero no nosso estado.
Os diálogos construídos, desde lá, para que a diversidade do MNU fosse expressa nessa nova composição da entidade na Bahia, foram inúmeros. Em mais de quatro plenárias de reconstrução, com presença de mais de 200 pessoas, fizemos até o primeiro semestre de 2023, um período de debates e mobilização junto à militância, distribuída em mais de 27 municípios do estado da Bahia. Fizemos isso, traçando o caminho para o vitorioso encontro estadual, realizado entre os dias 30 de junho e 2 de julho do mesmo ano, elegendo uma coordenação que expressa toda a diversidade política, de gênero e geracional que hoje nos compõe e que é amplamente reconhecida e respeitada na Bahia.
Ao mesmo tempo em que construímos essa nova fase do MNU Bahia, um único setor, dirigido à época pelo ex-deputado e saudoso Luiz Alberto e com pouca expressão local, negou-se a se somar no processo de reconstrução. Ao invés disso, buscou se vestir de uma pseudo-legitimidade de parte da CON, em pleno processo de crise nacional. Legitimidade essa que não condizia e nem condiz com a real representação política estadual de seus pares, nem com o reconhecimento público de governos, movimentos, e demais organizações em luta. Esse reconhecimento é nosso. Construíram uma coordenação, portanto, lastreada tão somente nesse apoio nacional, buscaram interditar qualquer forma de diálogo, até hoje, não conferem qualquer relevância, além da trazida artificialmente por uma CON engessada, esvaziada e com data de validade vencida. É um campo desconhecido e deslegitimado, até mesmo nos próprios territórios que dizem atuar.
Cabe destacar que o próprio Luiz Alberto, antes de partir, convocou uma reunião, no final de 2023, com representações dos dois campos do nosso Estado. Um dos pontos versava sobre o desejo de iniciar uma sequência de diálogos para uma pactuação política. Naquele momento, não apenas reconheceu a nossa legitimidade e a importante renovação dos quadros da entidade representada por nós, como assumiu que parte da movimentação feita por eles foi equivocada. Após esse primeiro diálogo, iniciou uma série de tratativas quanto ao processo de unidade e a nossa atuação conjunta nas agendas relacionadas ao povo negro, mas, infelizmente, foram interrompidas com a sua prematura partida. Lamentamos que, em um congresso que pretende homenageá-lo, se reduza a potência histórica de sua memória e da nossa entidade.
Dessa forma, todo esse histórico, originado pela sede de controle/poder e a incapacidade política da CON de construir unidade na diversidade, se materializa num legado desastroso, de dispersão e desorganização nos estados, dirigido por um setor que resolveu colocar os conflitos e divergências pessoais acima da própria organização.
O CHAMAMENTO AO CONGRESSO ESTATUTÁRIO
Recebemos com surpresa a convocatória do Congresso Estatutário Extraordinário, por três motivos: i) Diante da crise nacional do MNU e 2024 ser o ano de realização do Congresso Ordinário; ii) A construção desse espaço ser feita de cima para baixo, sem a possibilidade de diálogo efetivo entre as diferentes expressões políticas da organização e; iii)Fazê-lo de forma açodada e pouco participativa, sem tempo hábil nem metodologia que permitisse a realização dos necessários debates nas sessões estaduais e municipais.
Sobre o primeiro motivo, é preciso que o conjunto dos campos e setores existentes no MNU compreendam que temos um sério problema político, que lastreia a realidade vivenciada hoje na entidade. Depois de um período complicado de pandemia e do polêmico Congresso de 2022, não podemos tapar o sol com a peneira em relação à desestruturação interna do MNU. Reconhecer isso é ser responsável com uma organização tão relevante na história do nosso país e, ao mesmo tempo, tão fundamental para os tempos atuais. Fomos enfáticas/os em fazer a defesa da necessidade de um Congresso em que o centro fosse a política – com análise de conjuntura, reafirmação de quem somos e os porquês da nossa existência coletiva, assim como as principais tarefas para o MNU ao próximo período -, sendo capaz de abrir caminho para aparar nossas arestas, recompor pactos entre nós e fazer um processo de renovação que nos enxergue em diversidade e respeito.
Em detrimento disso, a decisão política dessa CON foi a realização da alteração estatutária, em um Congresso vencido em seu prazo sem a devida consulta de divergências e engessado em seu nascedouro – nos trazendo o segundo motivo da nossa surpresa. Tentar “resolver” um problema político por meio de um caminho burocrático é, em um primeiro momento, enxergado por nós como uma forma de enxugar gelo, ou mais, de alimentar uma grande erosão que tende a nos engolir, de conjunto. Ao nos depararmos com o formato desse espaço (o Congresso Estatutário), vimos que vai além dessas caracterizações. Soa como, para dizer o mínimo, uma tentativa de controle, a partir da redução de debate e participação (formatos das delegações e assembleias, falta de estrutura que garanta a presença etc.) ao qual o MNU não merece, nem precisa. Não merece, porque o MNU é (e deve ser) expressão de inclusão e luta do povo negro em movimento, vivo, antissistêmico e pulsante. E não precisa, porque nossa riqueza é a nossa ação em diversidade, é a síntese coletiva do que há de mais rico e transgressor do movimento negro brasileiro em luta por reparação.
O terceiro e último motivo da nossa surpresa em relação à realização desse congresso é um desdobramento do anterior. A minuta de um “novo estatuto” representa questões importantes relativas aos equívocos de todo esse processo e materializa o triste horizonte que vislumbramos a partir de sua possível aprovação sem tempo hábil de discussão de cada tópico ao longo de suas quarenta e três páginas. Essa minuta reforça componentes autoritários e “legaliza” o aniquilamento de divergências.
EM DEFESA DO MNU DE LUTA, DEMOCRÁTICO, PARTICIPATIVO E DIVERSO
Nos debruçando sobre o documento, vemos que a proposta apresenta erros de origem e possui o papel de criar elementos formais para chancelar o controle e a lógica autoritária que impera hoje no MNU. Ao invés de colaborar para um necessário e melhor regramento da nossa organização, a minuta tenta criar um arremedo de Estatuto, cujo conteúdo chega a negar algumas das bases e princípios que nos originaram enquanto organização.
Alguns dos principais indícios disso são:
i) a quebra de autonomia dos Estados, com apagamento ou timidez de temas estratégicos para a população negra;
ii) o estabelecimento de uma concepção financeirista de militante do MNU, vinculando a contribuição financeira aos direitos de participação nas instâncias;
iii) o estabelecimento de super poderes à CON, criando uma instância capaz de decidir, autocraticamente, sobre toda e qualquer decisão da entidade, em detrimento das decisões democráticas e coletivas.
O que nos faz nos posicionar nesse congresso, ainda que por meio de um documento e não da nossa legítima participação, é a responsabilidade política que o MNU Bahia tem com o fortalecimento da entidade e, sobretudo, o respeito à nossa militância no estado. A disposição para contribuir com os necessários avanços nacionais do movimento e da luta negra no país passam, necessariamente, hoje, pela defesa e resgate de suas razões fundacionais e pela preservação do legado do MNU frente aos arroubos autoritários, liquidacionistas e centralizadores. Vale ressaltar que, enxergando todo esse processo, a frase de Lélia Gonzalez, “Organização Já”, utilizada nas redes oficiais do MNU, está, no mínimo, desconectada com a prática implementada por sua direção. Cabe à CON retomar as bases teóricas estruturais de nossa entidade, e lembrar que Lélia jamais dialogaria com tamanho autoritarismo. É preciso resgatá-la.
Por fim, reafirmamos a denúncia de como essa atual gestão fere os princípios democráticos que dão origem a essa entidade. A equivocada decisão de barrar a nossa delegação é resultado de uma Coordenação Nacional cujo legado é a “Desorganização Já”, o autoritarismo e a falta de diálogo como princípios políticos.
Em contraponto, nosso sentimento é de construção e fortalecimento da nossa entidade, singular pela grandiosidade da sua contribuição na luta antirracista no Brasil. Defendemos um MNU de luta, diverso e combativo. Os princípios do MNU, o respeito, o espírito de unidade na diversidade e o fortalecimento político do movimento negro são elementos que nos guiam. Reforçamos que esse manifesto é uma denúncia direta ao setor que controla a Coordenação Nacional, e não ao conjunto de militantes que se mobilizaram a estar no Congresso Estatutário Extraordinário. Acreditamos que esse desejo de mudança e participação política ultrapasse os melindres e atropelamentos dessa atual gestão, e que a esperança do Congresso Ordinário seja de renovação e derrubada de todas as tiranias impostas até os dias atuais. O Hino da Bahia segue nos inspirando: “Com tiranos não combinam. Brasileiros, brasileiros corações”.
Juntos, juntas e juntes, vamos mais longe!
“Em razão disto é ir à luta e garantir os nossos espaços que, evidentemente, nunca nos foram concedidos.”
(Lélia Gonzalez)
COORDENAÇÃO MNU BAHIA e DELEGAÇÃO BAHIA ELEITA